sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Encontrar o Senhor nos desencontros do mundo


A experiência de Deus nos faz perceber a mão do Pai em cada criatura

Os homens primitivos eram profundamente religiosos. A história da humanidade e as descobertas arqueológicas nos confirmam essa verdade. Diante do poder da natureza, das chuvas, dos trovões, do sol, da lua e das estrelas, o homem primitivo percebia e reverenciava uma força superior.
O homem moderno perdeu esse contato com a natureza. A ausência de contato com a natureza provoca uma insensibilidade no homem contemporâneo, fazendo com que não consiga perceber e encontrar a presença de Deus nas coisas criadas. Com isso, não queremos cair no Panteísmo. Queremos apenas, despertar a atenção para as belezas da criação. Embora aceitemos a evolução, afirmamos a intervenção de Deus nessa evolução. Negar a mão de Deus na criação é o mesmo que afirmar o acaso. A perfeição relativa do mundo não pode ser fruto do acaso.
Se as coisas criadas são um caminho para Deus, são também um convite para a entrega total. O próprio Cristo usou da natureza para nos evangelizar. Ao apontar para as aves do céu e os lírios do campo, Ele não quis fazer poesia, mas indicar um caminho para Deus.
Diante da natureza, podemos questionar nossa confiança em Deus. Nós nos abandonamos nas mãos de Deus? “Olhai as aves que voam no céu; não semeiam o grão nem colhem, nem acumulam a colheita nos celeiros; pois o vosso Pai celeste lhes dá de comer. Acaso não valeis muito mais do que elas?” (Mt 6,26).
É claro que valemos muito mais do que as aves, porque somos filhos de Deus; só que, infelizmente, nos deixamos levar por vãs preocupações, pelo consumismo e não percebemos esse amor imenso.
Com tantos problemas para resolver, como parar para observar flores? Tantos homens no mundo morrendo de fome, tantas guerras; o petróleo que está acabando; a inflação cada vez subindo mais; o governo cada vez mais corrupto; a poluição sonora e ambiental; as doenças contagiosas; as favelas sempre maiores... E nós ainda perdendo tempo para olhar os lírios? Não seria alienação?
O que devemos aprender é olhar o mundo com os olhos de Deus. Jesus quando esteve entre nós como homem, conhecia perfeitamente os graves problemas da humanidade. No entanto, Ele quis nos ensinar que é preciso aprender com as flores. Elas, como os pássaros, nos ensinam a confiar em Deus. Infelizmente, não aprendemos a amar a natureza, assim como não aprendemos a amar os homens, criados por Deus à sua imagem e semelhança.
Como encontrar Deus nos desencontros do mundo?
Aquele que faz uma experiência de Deus em sua vida, procura olhar o mundo a partir dessa ótica divina. Percebe a mão do Pai em cada criatura, em cada acontecimento, mesmo que corriqueiro de sua vida. É preciso escutar o Senhor que nos fala através das coisas mais simples que nos acontecem. A doença, por exemplo, pode muitas vezes ser um caminho para Deus. Ela não vem de Deus. (Deus não é doença, mas pode nos conduzir a Ele se nos abrirmos e nos entregarmos ao seu amor).
Quando experimentamos Deus como um Pai que nos ama, então, torna-se fácil perceber sua ação em nossa vida.
O homem moderno não se contenta mais com uma idéia a respeito de Deus. Ele quer tocá-lo. Como tocá-lo, senão através de cada um de nós? Quando o experimentamos, nos tornamos canais do seu amor para os outros homens. Tornamo-nos “torneiras” de Deus para a sede de amor que os homens de hoje tanto sentem. Para isso, é preciso escutar o que Ele tem a nos dizer através da sua Palavra, mas também através dos acontecimentos do dia-a-dia, da natureza, das coisas criadas... É preciso experimentá-lo!
(Artigo extraído do livro “Tocar o Senhor” –

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O encanto nosso de cada dia


Ficar ao lado, mas sem possuir...
Ainda bem que o tempo passa! Já imaginou o desespero que tomaria conta de nós se tivéssemos que suportar uma segunda-feira eterna?

A beleza de cada dia só existe porque não é duradoura. Tudo o que é belo não pode ser aprisionado, porque aprisionar a beleza é uma forma de desintegrar a sua essência.

Dizem que havia uma menina que se maravilhava todas as manhãs com a presença de um pássaro encantado. Ele pousava em sua janela e a presenteava com um canto que não durava mais que cinco minutos. A beleza era tão intensa que o canto a alimentava pelo resto do dia. Certa vez, ela resolveu armar uma armadilha para o pássaro encantado. Quando ele chegou, ela o capturou e o deixou preso na gaiola para que pudesse ouvir por mais tempo o seu canto.

O grande problema é que a gaiola o entristeceu, e triste, deixou de cantar.

Foi então que a menina descobriu que, o canto do pássaro só existia, porque ele era livre. O encanto estava justamente no fato de não o possuir. Livre, ele conseguia derramar na janela do quarto, a parcela de encanto que seria necessário, para que a menina pudesse suportar a vida. O encanto alivia a existência... Aprisionado, ela o possuia, mas não recebia dele o que ela considerava ser a sua maior riqueza: o canto!

Fico pensando que nem sempre sabemos recolher só encanto... Por vezes, insistimos em capturar o encantador, e então o matamos de tristeza.

Amar talvez seja isso: ficar ao lado, mas sem possuir. Viver também.

Precisamos descobrir, que há um encanto nosso de cada dia que só poderá ser descoberto, à medida em que nos empenharmos em não reter a vida.

Viver é exercício de desprendimento. É aventura de deixar que o tempo leve o que é dele, e que fique só o necessário para continuarmos as novas descobertas.

Há uma beleza escondida nas passagens... Vida antiga que se desdobra em novidades. Coisas velhas que se revestem de frescor. Basta que retiremos os obstáculos da passagem. Deixar a vida seguir. Não há tristeza que mereça ser eterna. Nem felicidade. Talvez seja por isso que o verbo dividir nos ajude tanto no momento em que precisamos entender o sentimento da tristeza e da alegria. Eles só são suportáveis à medida em que os dividimos...

E enquanto dividimos, eles passam, assim como tudo precisa passar.

Não se prenda ao acontecimento que agora parece ser definitivo. O tempo está passando... Uma redenção está sendo nutrida nessa hora...

Abra os olhos. Há encantos escondidos por toda parte. Presta atenção. São miúdos, mas constantes. Olhe para a janela de sua vida e perceba o pássaro encantado na sua história. Escute o que ele canta, mas não caia na tentação de querê-lo o tempo todo só pra você. Ele só é encantado porque você não o possui.

E nisto consiste a beleza desse instante: o tempo está passando, mas o encanto que você pode recolher será o suficiente para esperar até amanhã, quando o pássaro encantado, quando você menos imaginar, voltar a pousar na sua janela.